quarta-feira, 29 de julho de 2015

Atletismo brasileiro no Pan de Toronto: o problema não são as medalhas e sim o que falta

Cleber Guilherme, comentarista de atletismo dos canais ESPNFelipe dos Santos disputa o decatlo pelo Brasil

O atletismo brasileiro tem passado por grandes dificuldades em competições internacionais: bastou o nível técnico melhor no Pan de Toronto e nossa dificuldade pela busca de medalhas se tornou evidente. Apesar de um maior investimento nos últimos anos, o problema se repete, assim como nos Jogos Olímpicos de Londres 2012, onde o Brasil voltou sem medalhas. O que podemos esperar do Atletismo nos Jogos Olímpicos em 2016 ou no Campeonato Mundial de Atletismo de Pequim 2015?
Ainda é cedo para afirmar que em 2016 o Brasil terá poucas chances de medalhas. Alguns nomes surgiram como Thiago Braz no salto com vara - que é atualmente um dos melhores do mundo em sua prova apesar de sua pouca idade -, mas ainda é pouco para um país como o nosso que quer ser potência olímpica, segundo nossos dirigentes, Além do salto com vara masculino, podemos ter também esperança nas provas de salto com vara feminino, no revezamento feminino e na maratona masculina, onde apesar de não termos nomes com grandes marcas é uma prova tática que traz sempre surpresas.

Talvez possamos errar em nossas previsões, talvez tenhamos esquecido algumas provas ou mesmo alguns nomes, mas o que importa realmente não é se o Brasil trará ou não medalhas nas próximas competições internacionais e sim o que tem impedido a conquista destas medalhas. A cada edição de Jogos Olímpicos, Campeonatos Mundiais e Jogos Pan-Americanos ouvimos a mesma pergunta: "Quem do atletismo poderá trazer medalhas?" E após os eventos outra pergunta incômoda: "Por que o atletismo brasileiro não conseguiu um resultado melhor?"
Não foi diferente agora nos Jogos Pan-Americanos de Toronto 2015, que teve um bom nível técnico em algumas provas do atletismo, nem será diferente daqui a alguns dias no próximo Mundial que será realizado em Pequim. No Pan, as medalhas obtidas mostram alguma evolução em algumas provas, mas que não garantem melhores resultados tanto no próximo campeonato mundial ou na próxima edição olímpica realizada dentro de nossa casa.
O problema não é quantas medalhas o atletismo brasileiro trará no Mundial de agosto nem daqui a um ano nos Jogos Olímpicos, o que problema maior é que falta uma política nacional para o esporte. Sem uma política esportiva séria, e a nossa não é, será impossível fazer do atletismo brasileiro uma máquina de medalhas olímpicas.
Como falar de detecção de talentos se a iniciação esportiva em nosso país é fruto de professores que com muito sacrifício e quase sem estrutura realizam suas aulas de Educação Física, como se falar de estímulo de talentos se muitos que são descobertos abandonam o atletismo por não ter condições financeiras de se deslocar para treinar, pois são poucos os clubes privados ou orgãos estatais que ajudam com transporte estes jovens talentos.
E quanto à construção e manutenção de centros de treinamento, o que falar por exemplo da conhecida pista de atletismo do Complexo Esportivo Constâncio Vaz Guimarães em São Paulo, que não tem recebido competições por falta de manutenção de sua pista, ou pior ainda da lendária pista do Célio de Barros no Rio de Janeiro, outrora presente nas principais competições do país e que foi transformada em estacionamento como parte do projeto para a Copa de 2014.
Não temos outra saída. Estados Unidos, Rússia e mesmo nações com poucos recursos como Jamaica, Etiópia e Quênia só chegaram a ser protagonistas no atletismo por ter uma grande base de praticantes.
Resumindo, não é somente investir dinheiro em nossos principais atletas. O problema é como usar os recursos adequadamente. Todos os países que se destacam no atletismo priorizam o trabalho de base, isto é, "iniciação esportiva na escola". Afinal, qualquer leigo sabe, é lá onde estão os talentos que um dia poderão se tornar atletas - se forem descobertos, é claro -, mas nossos dirigentes teimam em ignorar isso, infelizmente. A maior parte de nossas escolas não possuem uma área digna para aulas de educação física, além disso a maioria dos professores destas escolas não possuem um material didático para desenvolver o atletismo nestas condições desfavoráveis.
Além dos muros escolares, o problema é tão ou mais grave, há pouquíssimos locais que desenvolvem a iniciação do atletismo, e infelizmente é comum após um grande evento como o Pan-Americano ouvirmos uma pergunta de pessoas que acompanharam o evento: "Onde meu filho ou minha filha pode começar a praticar atletismo?".
O pior é que muitas vezes não conseguimos responder facilmente a essa resposta, pois são pouquíssimos os locais disponíveis para a iniciação do atletismo, mesmo nos grandes centros. Pode aparecer absurdo, mas muitos atletas da seleção brasileira começaram a treinar na adolescência por obra do acaso e não oriundos de um sistema esportivo organizado, sem contar ainda aqueles que obtiveram excelentes resultados nas categorias de base, mas que ficaram pelo caminho, por falta de apoio para treinar e estudar e por isso tiveram que começar a trabalhar e viram seu sonho de atleta ficar apenas em sua lembrança.
E o que dizer então dos atletas que saem cedo de sua cidade natal pela falta de estrutura e que são obrigados a vir para os grandes centros treinar nos grandes clubes. E por falar nos grandes clubes de atletismo de nosso país, vemos outro dado alarmante: a maior parte deles não possui categorias de base e se alimentam de atletas descobertos pelas poucas equipes que trabalham com a iniciação esportiva, "retirando" muitas vezes esses atletas através de um convite, sem sequer comunicar a equipe que o formou. Outro problema conhecido é a falta de continuidade dos poucos projetos existentes, muitas vezes em função de mudanças políticas ou do abandono de empresas que patrocinam projetos somente em busca de visibilidade nas vésperas dos grandes eventos.
Em um cenário caótico como este, é fácil entender como o Brasil que possui quase 200 milhões de habitantes e jovens talentosos em praticamente todas as provas do atletismo nunca chegará a ser um protagonista no esporte em questão. Infelizmente pouco foi feito desde a candidatura olímpica Rio 2016, agora é esperar e torcer por nossos treinadores e atletas que nos representarão daqui um ano, e que também são atingidos pela falta de uma política esportiva de longo prazo que impera em nosso país.

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